A partir de uma visão abrangente do negócio, executivo conta como a pandemia impacta os planos de transformação digital e a própria carreira do líder de TI
De um lado, a formação em engenharia de produção e materiais trouxe o raciocínio lógico para a rotina de trabalho de José Antonio Furtado. De outro, a experiência em diferentes setores da indústria permitiram a ele, hoje CIO da Nexa Resources, uma visão holística de operações e negócios. Some a essa bagagem diversa os marcos que motivam a aceleração de tendências tecnológicas e culturais, com tem feito a pandemia do coronavírus em relação à transformação digital. Toda essa vivência é colocada a serviço dos questionamentos – e das mudanças – que líder de TI e empresa precisam realizar agora.
Para Furtado, no mundo pós-pandemia, existem novos futuros. E como essa crise já nos ensinou, as empresas são capazes de realizações que não imaginavam. “Todo aquele receio de que trabalho remoto não era possível, que as pessoas não seriam produtivas, as questões legais…tudo ficou mais simples de tratar”. É o que o executivo conta nessa entrevista exclusiva.
A sua formação original não é em tecnologia da informação, certo? Como a TI entrou na sua vida?
José Antonio Furtado: Eu me formei em engenharia de produção e materiais na Universidade Federal de São Carlos e comecei a trabalhar na área, como engenheiro industrial, fazendo análises de investimentos na Aços Vilares, em São Caetano. Era um trabalho bem próximo da operação, o que me trouxe um background muito legal, pois eu tinha que estar por dentro de todos os processos. E o engenheiro tem vantagem com matemática e raciocínio lógico. Isso foi útil. Passei por várias áreas da companhia – programação, planejamento de vendas, logística interna e externa, almoxarifado – e assim construí uma visão holística.
Lá pelos anos 1998, fui convidado para trabalhar no projeto de implantação da SAP na Companhia Siderúrgica Nacional. Eu era o gerente do projeto, que contemplava todo o modelo integrado do negócio, não só o ERP, mas também ferramenta de planejamento e programação, sistema de manufatura. O Projeto SIGAPP (Sistema Integrado de Gestão Avançada, e PP era referência do ERP) durou dois anos e teve bastante sucesso.
Sempre fui usuário de TI, mas achava que essa área era cheia de malucos usando computador (risos). De repente, eu estava gerenciando uma grande equipe para implementar o sistema na companhia. Meu background de planejamento e programação ajudou muito, e a partir daí entrei em contato com outras tecnologias de gerenciamento de projetos.
De que maneira a adoção tecnológica evoluiu nas empresas, desde que você começou a sua carreira?
José Antonio Furtado: No fim dos anos 1990, fomos motivados a implementar tecnologia por um problema comum: a preocupação com o bug do milênio. Os investimentos em tecnologia foram acelerados pelo risco das consequências do bug, como travar a companhia. As tecnologias eram imaturas e havia pouco conhecimento e recursos no mercado. Muitos consultores daquela época estavam junto com a gente aprendendo. No caso do SAP, contávamos com consultores de Waldorf, na Alemanha.
Nos últimos cinco anos, a tecnologia amadureceu muito. Hoje, a ideia é que possamos ter várias soluções específicas e que sejam feitas as integrações. O modelo monolítico, com a ideia de que a empresa vai resolver tudo com um sistema, está mudando. Temos web services para integração e que funcionam.
Durante sua carreira, você passou por várias empresas de mineração. Como a inovação e a transformação digital estão afetando esse setor? O que o futuro reserva?
José Antonio Furtado: Em um extremo, estão indústria financeira, bancos e empresas que estão na ponta da tecnologia. As áreas de siderurgia e mineração são mais lentas nesse sentido. Mas, nesses últimos 10 anos, a tecnologia foi se atualizando e é responsável por grandes saltos de produtividade e qualidade.
Se as empresas não tivessem uma infraestrutura adequada de TI, teriam parado nesse cenário da Covid-19. Se não tivessem tecnologia, não haveria chance de continuar o dia a dia de forma remota. As tecnologias foram tomando seu espaço, e fica claro para os decisores de negócios que quem não investe em transformação digital não vai ser competitivo no futuro. Não dá mais para operar uma planta com dezenas, centenas de operadores, sendo que o concorrente ou a indústria em geral trabalha de forma automatizada, com melhores práticas de tecnologia.
Hoje, a sala de controle opera remotamente uma mina aqui de São Paulo. É possível preparar um equipamento da mina subterrânea estando fora dela. Tudo depende de estratégias de médio e longo prazo, mas não dá para ser competitivo de outra maneira – ou a empresa vai fechar, ou vai ser adquirida. É só pensar no que ocorreu com os bancos – quem não investiu não teve chance.
Na sua visão, a pandemia acelerou a transformação digital?
José Antonio Furtado: Nós passamos por três ciclos. Primeiro, foi preciso reagir, tomar atitudes rápidas, ser proativo e flexível. Na Nexa, como temos um plano de transformação digital bem estruturado tanto área de TI, quanto de tecnologia de automação, o terreno já estava preparado. A reação foi interessante, saudável e ágil porque a empresa já fazia trabalho remoto e tinha infraestrutura estabelecida. As decisões tomadas no comitê de crise foram absorvidas e ajustadas rapidamente.
No segundo momento, veio a dúvida sobre o que fazer. Com pessoas em casa, operação contínua e protocolos de segurança e saúde implementados, as tecnologias dão suporte para as decisões. Mas como acomodar isso? Exigiu inteligência, planejamento e aprendizado. E o terceiro bloco é um pensamento futuro, quando voltarmos à normalidade. O que fica é um grande aprendizado: todo aquele receio que havia de que trabalho remoto não era possível, que pessoas não seriam produtividades, as questões legais… tudo fica mais simples de tratar. É possível ganhar velocidade e dar abertura para o funcionário, reduzir espaços físicos, ter regime de compartilhamento de espaço. Tudo isso pode ser avaliado.
A TI das empresas foi testada e se saiu muito bem. Colocou a operação para funcionar com mais dificuldade. Na volta ao cenário normal, a TI terá abertura para fazer investimentos e acelerar a transformação digital.
E o que essas mudanças significaram para a sua carreira?
José Antonio Furtado: É bom contar história, mas ela sempre tem uma dor também. Gosto de comparar metaforicamente com uma trilha. É legal de contar, mas, durante a trilha, você se sente cansado, tem medo, erra caminho e tem que voltar atrás. Em todos os movimentos que fiz na Nexa e em outras empresas para realizar a transformação digital, ficou a premissa de que ela é necessária. Precisa ser feita. Mas é preciso preparar a empresa, pois o grande diferencial não é a tecnologia – são as pessoas. A tecnologia evolui rápido, mais do que somos capazes de absorver, então as pessoas precisam estar preparadas.
Como um profissional pode mudar o seu modo de pensar, criando uma cultura de TI com mais foco em negócios e menos em tecnologia? O que você aconselharia?
José Antonio Furtado: O diferencial de estar na TI, tendo uma boa experiência em negócios, é exatamente entender os dois lados. Por isso, investiria em conhecimento da TI em negócios, e vice-versa. Também focaria em processos. Hoje, vejo uma deficiência grande nesse aspecto. A pessoa só se foca no pedaço em que atua e tem dificuldade de enfrentar o negócio de ponta a ponta. É preciso entender a importância da sua parte para o conjunto. Esse empoderamento das pessoas ajuda muito na transformação digital.
Enquanto CIO, qual o seu maior desafio hoje?
José Antonio Furtado: Eu me vejo hoje como um líder essencialmente coach. Preciso entregar resultados para a companhia e a questão é: como ajudo pessoas a crescerem? Como formo mais líderes conscientes da importância de entregar valor para a companhia, trabalhando em equipe harmoniosa? O papel do CIO está se transformando muito. Na minha visão, deveria se tornar grande advisor na companhia sobre tecnologia. Então, devo estar atento à estratégia da companhia, para onde está indo e o melhor uso da tecnologia para alavancar essa estratégia e propor novos negócios.
Líderes que transformam: Xavier Serres e a inovação na Danone