Estratégia de digitalização do varejo ganha ares de urgência com a pandemia; especialista da Cisco dá dicas sobre o caminho que os varejistas devem seguir para se manterem relevantes
Algumas marcas são tão tradicionais que despertam sentimentos de identificação automáticos. Nos Estados Unidos, uma delas é a Macy’s, rede varejista cujo expoente é a imensa loja na 34ª avenida, em Nova Iorque. A vitrine decorada se tornou, desde que foi fundada no século XIX, um símbolo da cidade. Mas a transformação digital do varejo deixou para trás a empresa, que anunciou recentemente o fechamento de 125 unidades físicas menos produtivas em três anos. O objetivo: combater a desaceleração das vendas físicas e reforçar a atuação online.
Com a pandemia do novo coronavírus, as coisas só pioraram. A imensa maioria das lojas da rede foram obrigadas a fechar – um duro golpe para a companhia, cuja dificuldade em reter clientes e atrair novos já vinha de alguns anos, conforme os consumidores passaram a optar pela comodidade das compras online.
O caso da Macy’s é emblemático, mas nem de longe o único quando se trata da transformação digital do varejo, que tem reduzido o fluxo nas unidades físicas. Isso não significa, é claro, que as lojas vão desaparecer, mas sim que precisarão se transformar, integrando ambientes e ofertas físicas e virtuais.
“Esta estratégia [de integração] parte do princípio de que os clientes estarão – ainda mais do que antes da crise de isolamento social – interagindo com a marca por meio de múltiplos canais, como redes sociais, lojas online, marketplace e na própria loja física”, pondera Ricardo Santos, gerente de desenvolvimentos de negócios para os segmentos de varejo, saúde e educação da Cisco Brasil e América Latina.
Outro ponto fundamental é a digitalização dos processos no varejo físico. A pandemia está não só forçando todos os canais de varejo a fazerem essa transição, como também exigindo uma aceleração do ritmo. Isso porque, explica Santos, esse deveria ser um desenvolvimento gradativo, para que seja possível avaliar as mudanças, checar alternativas e implementar as ações de forma estruturada.
“Agora inovar virou questão de sobrevivência, já que boa parte dos setores precisam entrar no digital o mais rápido possível se não quiserem desaparecer. A partir desta crise, a retomada das empresas de varejo será baseada na criação de um negócio sólido de e-commerce, ou da presença em um marketplace”, diz o especialista. E isso não diz respeito somente aos grandes varejistas como a Macy’s, já que todos os portes de empresa foram afetados.
Redesenho da estratégia
Mas por onde começar? Segundo o especialista da Cisco, há uma tendência mundial de redesenho da estratégia de multicanal, o que significa criar uma maior integração entre lojas físicas e plataforma online, além de um redesenho do portfólio, em que as lojas físicas e virtuais se completem e se tornem componentes de uma mesma estratégia.
“Redes sociais, modelos de assinatura, clubes de fidelidade com benefícios de acordo com a segmentação de consumo do cliente, entre outros, também são modalidades importantes, dependendo do segmento de produto”, explica.
O grande desafio é conciliar a velocidade exigida para essa mudança com as novas (e muitas vezes ainda inexploradas) formas de relacionamento entre consumidor e marca. Afinal, qualquer forma de contato com o cliente é válida e importante. “Para o cliente, a loja física ou virtual não irá mais fazer tanta diferença. É importante ter um programa muito bem estruturado para entender como o cliente irá querer se relacionar com a marca”, diz Santos.
De todo modo, as empresas terão de pensar a respeito da nova função da loja física. Em alguns segmentos, como o de roupas, ela servirá mais como forma de divulgar a marca dando ao cliente experiências, não necessariamente produtos. Assim, a loja física continuará tendo a função de encantamento e degustação, passando a ser inclusive local de atração para eventos.
Retenção e atração
Para que a transformação digital ajude lojistas físicos a reterem clientes – e ainda atrair novos – Santos divide a estratégia em quatro pontos:
1. Inteligência sobre o comportamento de compra e a concorrência
Se antes as empresas sabiam com quem competiam, hoje essa identificação é muito mais difícil. Por isso elas devem trabalhar com foco total no cliente e na transformação digital dos processos. É preciso investir em uma base de dados confiável que garanta conhecimento sobre o comportamento do consumidor, de acordo com os mercados-alvo.
“É necessário conhecer o cliente, estudar os diferentes filtros e análises e fazer oferta para determinados nichos, com foco no que ele realmente precisa. Relevância é o nome do jogo”, salienta o especialista. “O que o público quer e espera em qualquer ponto de contato é o que o varejista precisa entregar. Isso só é possível com tecnologia.”
2. Reduzir momentos de desgaste ou fricção
A transformação digital busca facilitar relações e isso traz impacto sobre o resultado da marca em diversos canais. Um exemplo dado por Santos é a forma de pagamento nas lojas físicas: os vendedores podem usar um smartphone para todo o processo de compra, que esteja integrado à rede sem fio da loja e aos sistemas internos, fazendo desde consultas no catálogo de produtos até a finalização da compra.
“Tudo isso feito por um único vendedor para diminuir o tempo para o usuário e reduzir filas. As operações devem ser feitas com menos burocracia, e cada vez mais digitalizadas”, explica.
3. Aumentar a fidelização
Plataformas digitais de relacionamento com o consumidor também assumem o papel de criar um plano de fidelização, oferecendo vantagens e facilidades para os clientes. Um exemplo é o Prime, da Amazon, em que o usuário paga uma mensalidade para ter acesso a serviços e vantagens relacionados às compras.
4. Equilíbrio entre relacionamento humano e digital
A transformação digital nas lojas físicas pode servir para ampliar um item ainda muito valorizado, o relacionamento direto e humano com o cliente. Mesmo as plataformas de e-commerce não devem renunciar a isso.
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