Para especialista, demanda dos próprios usuários vai impulsionar a criação de soluções que ampliem o acesso
Você está esperando aquela ligação que vai fechar o negócio da sua vida, e ela virá pelo Webex. Quando o celular vibra, você está justamente dentro da linha verde do metrô de São Paulo. Você se apressa para atender, afinal, há sinal no metrô paulistano, certo? Errado. Justamente na estação onde você se encontra há um apagão de conectividade. E você precisa segurar a ansiedade até que o sinal volte a funcionar.
Apagões como este são comuns mesmo na maior cidade do Brasil, que dirá em localidades mais afastadas. Eles acontecem nas linhas do metrô e do trem, em trechos da Avenida Paulista, considerada o coração econômico do município, e atrapalham o funcionamento de robôs ou a transmissão de lives em grandes eventos, apenas para citar alguns exemplos de como a falta de conectividade nos atinge.
Mesmo a forma como as operadoras de telefonia brasileiras comercializam seus planos de internet pode ser considerada um apagão de conectividade, já que muitas oferecem gratuidade no consumo de dados referentes ao uso de mídias sociais como Facebook, Instagram e Whatsapp. A prática, chamada de zero rating, é proibida em alguns países, mas não por aqui. Especialistas internacionais a associam à potencialização de notícias falsas, as conhecidas fake news, tema debatido desde as eleições americanas em 2016 e que ganhou ainda mais escala no Brasil durante as eleições de 2018. No país, Facebook e WhatsApp são apontados como os principais meios por onde as matérias falsas são espalhadas. E, sem acesso a sites confiáveis de notícias, por exemplo, os brasileiros se tornam reféns dos aplicativos, onde não há checagem de informações ou fontes fidedignas.
Todos esses apagões de conectividade ocorrem ao mesmo tempo em que os seres humanos necessitam, cada vez mais, de conexão – para os negócios e para a vida em geral. Um levantamento da Inova Consulting sobre as megatendências para 2020 e 2030 aponta que a conectividade assumiu decisivamente o poder, interligando pessoas e empresas de forma permanente, potencializando as relações, a troca de informação e o diálogo 24 horas por dia, sete dias por semana. É ela quem facilita o surgimento constante de soluções nas áreas de vestíveis, implantáveis, realidade aumentada, impressão 3D, internet das coisas ou inteligência artificial. Segundo o estudo, o mundo estará 100% conectado a partir de 2030 – megatendência que traz, também, um megadesafio ao Brasil.
Luis Rasquilha, CEO da Inova Consulting e especialista em disrupção estratégica pela Harvard Business School, acredita que a demanda dos usuários por conectividade vai impulsionar a criação de soluções para os apagões. “Essa não é uma característica exclusiva do Brasil. Muitos países estão lidando com a questão de como prover internet na era da convergência que estamos vivenciando. Imagine, então, quando evoluirmos para a era da singularidade, quando nos tornaremos humanos 2.0, com chips implantados em nosso corpo para tudo? As organizações precisam começar a se mexer desde já.”
O especialista destaca que soluções para responder aos anseios por conectividade já estão em curso. Ele cita iniciativa anunciada por Elon Musk, da Tesla, nos Estados Unidos, que estuda um meio de oferecer um plano via satélite com acesso ilimitado ao custo de US$ 9 ao mês.
A chegada do 5G é outra iniciativa para ampliar a conectividade – e principalmente a velocidade da internet. Coreia do Sul e Estados Unidos saíram na frente e lançaram suas primeiras redes comerciais em abril de 2019. Na América Latina, o Uruguai foi o primeiro país a ter a sua – forçando empresas do Brasil a se moverem também. Mas, ao mesmo tempo em que o 5G promete mudar a forma como nos conectamos, trazendo benefícios para inúmeros setores, o segmento de energia norte-americano já demonstrou preocupação. Para garantir o pleno funcionamento do 5G, é preciso pensar na largura de banda adequada. E, sem ela, podem ocorrer danos sérios à rede elétrica, com impacto na infraestrutura crítica do país.
Embora os apagões ainda sejam uma realidade com a qual a humanidade precisará lidar, Rasquilha acredita que a tecnologia está acelerando tudo – até mesmo a nossa percepção de passagem do tempo. “Quando estamos conectados, compartilhando informações em tempo integral, pesquisando, comentando, endossando, a velocidade do conhecimento se acelera, e a nossa percepção de tempo também. Vivenciamos um momento de desmaterialização, descentralização e democratização do acesso ao conhecimento, e, num mundo com 7 bilhões de pessoas, essas mudanças modificam a regra do jogo.”
De alguma forma, a alta conectividade e as demandas geradas por ela podem até mesmo assustar, nos tornando ansiosos quando afetados por apagões. Mas se trata de um caminho sem volta. “A conectividade nos levará a outras formas de experimentar a vida, incluindo os negócios. É uma transformação que impulsionará a humanidade a outro patamar”, garante Rasquilha. Resta aguardar para ver – e viver – a era dos humanos 2.0.
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