Empresas do setor elétrico caminham rumo à transformação digital, com tecnologia como apoio para criar um futuro mais eficiente e sustentável
Áreas urbanas ocupam apenas 2% da superfície total do planeta, mas abrigam mais da metade (54%) da população, segundo dados recentes da Organização das Nações Unidas (ONU). Essas estruturas adensadas e artificialmente construídas exigem imensos níveis de planejamento para não colapsarem, o que significa abastecimento constante de recursos básicos como água, e de outros relativos à atividade econômica, como combustíveis e energia elétrica – todos providos por empresas de um setor conhecido como utilities.
Em um cenário de crescimento constante e pressões por sustentabilidade, é fundamental que as cidades se tornem mais inteligentes. Tecnologias como conectividade, smart grids, internet das coisas, big data e inteligência artificial, entre tantas outras, podem servir às utilities no objetivo urgente de otimizar o consumo de recursos naturais e, ao mesmo tempo, abastecer com mais eficiência, reduzindo desperdícios e suprindo o constante aumento da demanda.
No entanto, a transformação digital das empresas do setor, particularmente as fornecedoras de energia, enfrenta um desafio cultural. Apesar dos ganhos que essas mudanças proporcionam, é preciso lembrar que a primeira linha de transmissão brasileira foi estabelecida em 1879. Ou seja: trata-se de um setor de tradição secular, cujo “modo de fazer” pode ser difícil de alterar. “Elas [empresas do setor de energia] estão começando a falar sobre isso. Algumas têm até mesmo departamentos específicos para pensar na transformação digital, mas esse caminho ainda encontra resistência”, pondera Paulo Junior, engenheiro de sistemas da 2S. “Esse comportamento é natural. Existem áreas das empresas que preferem soluções que até são antigas, mas ainda funcionam.”
Potencial tecnológico
Para Cezar Magalhães, gerente de negócios da 2S, embora a transformação digital no setor de energia elétrica seja menos acelerada, se comparada a de outros setores da economia, dentro de utilities essas empresas lideram. Isso vale tanto para as empresas geradoras – aquelas que produzem e transmitem a energia – como para as distribuidoras – que recebem das geradoras e vendem para clientes finais ou empresas.
Smart grids são a aplicação mais comum, com inúmeras empresas experimentando iniciativas com medidores inteligentes, capazes de acompanhar o consumo e detectar problemas em tempo real. Na distribuição de energia, eles eliminam a necessidade de aferição manual do consumo, reduzindo erros humanos e as dificuldades comuns a essa atividade: relógios inacessíveis, ausência do consumidor no local da medição, etc.
Outra aplicação bastante utilizada são as frotas conectadas, que facilitam a comunicação entre técnicos de manutenção e as centrais das distribuidoras ou geradoras. Eles passam a ser mais rapidamente alertados a respeito de incidentes e, enquanto agem, podem fazer relatórios diretos em tempo real sobre os reparos.
Nessas aplicações, cada carro ou técnico recebe chamados em um tablet. Ele é monitorado desde o trajeto, o que permite à contratante medir a eficiência das verificações de alertas. É possível distinguir, ainda, se o motorista está conduzindo de forma insegura, entre outros parâmetros.
Entre as soluções tecnológicas disponíveis para o setor estão ainda aquelas relacionadas a automação de subestações, incluindo conectividade com e sem fio, sensores inteligentes de calor e corrente, e também realidade virtual e aumentada. “Os óculos [de realidade aumentada] permitem que tudo que o técnico vê também seja visto pela central, que pode oferecer suporte. E o especialista consegue mostrar para o técnico telas informativas, com tutoriais, inclusive em vídeo”, explica Magalhães. “Esses óculos podem ser usados em subestações, localidades que costumam sofrer com déficit de mão de obra.”
Infraestrutura do futuro
Segundo o especialista, ainda existe muita infraestrutura de transmissão energética que data de dez ou 15 anos e precisa ser modernizada. “É preciso avançar para se alcançar uma infraestrutura de cidade inteligente, em que seja possível prover de forma eficiente todos os recursos. Essa preocupação se torna ainda mais relevante com com carros elétricos e todas as tecnologias que estão surgindo”, ressalta Paulo Junior.
As empresas do setor precisam preparar bases não só para suportar o aumento do consumo ou reduzir interrupções de fornecimento, mas também para lidar com as mudanças no comportamento do consumidor. Tecnologias de geração residencial de energia são realidade em países da Europa e nos Estados Unidos, e os usuários revendem a energia gerada em painéis solares para concessionárias.
No Brasil, apesar de alguns movimentos da agência reguladora responsável (a Aneel), ainda não há regulamentação ou infraestrutura para tal, o que, entre outros fatores, mostra que temos muitos desafios a superar quando o assunto é tornar as cidades mais inteligentes e sustentáveis no futuro.
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