Após 35 anos na mesma empresa, onde começou como operador de mainframe, executivo é um entusiasta da transformação digital. ‘A ficção de ontem virou realidade’, reflete
Wellington Eustáquio Coelho é líder de TI (CIO) e de segurança (CISO) da Teksid, multinacional do setor de metalurgia que fez parte do grupo Fiat Chrysler Automobiles (FCA) até 2019, quando foi adquirida pela Tupy por quase R$ 1 bilhão (€ 210 milhões). Atua na mesma companhia há 35 anos, trajetória cada vez mais difícil de observar nas gerações que o precederam. Isso não o impede de se aproveitar de uma plataforma típica dos novos tempos – o LinkedIn – para falar sobre a transformação digital e as mudanças que a tecnologia tem promovido nas empresas e nos profissionais. Inclusive nos experientes, como ele.
Era 1984 quando o executivo começou a carreira, aos 24 anos, na FMB – que posteriormente se tornou a Teksid do Brasil. Formado em contabilidade e sem nenhuma experiência com TI, assumiu a posição de operador de mainframe no turno entre a meia-noite e às seis da manhã. “Eu estava começando a minha vida na TI e, dois anos depois, senti que queria mais”, conta, em entrevista ao Blog da 2S. “Nos anos 1980, a linguagem de programação que imperava era o COBOL, então fui atrás para aprendê-la. Não tardou muito para ser promovido a programador e, em seguida, assumir a posição de analista de sistemas. Desde 2002 estou como CIO e CISO da Teksid para o Brasil e o México.”
Na entrevista abaixo, Coelho reflete sobre as mudanças que possibilitaram o surgimento da indústria 4.0. Fala também sobre o que o futuro reserva tanto para profissionais que, como ele, estão prestes a desfrutar de um merecido descanso, como para aqueles que estão assumindo agora posições de liderança. “Preparar um sucessor talvez seja uma das formas mais primárias de colaboração”, diz.
Leia a entrevista na íntegra:
O que mudou em termos tecnológicos durante esses 35 anos de Teksid? Quais foram os destaques?
Coelho: Sem dúvida a internet foi a tecnologia que abriu as portas para tudo que temos hoje. Ela rompeu barreiras, quebrou paradigmas e revolucionou as empresas, os governos e a sociedade como um todo. Depois dela houve a abertura para a transformação global que estamos assistindo, onde tudo é compartilhado, propiciando a democratização do conhecimento e alavancando a capacidade de criar e inovar.
E o que essas mudanças significaram para a sua carreira?
Coelho: Mudanças sempre trazem desconforto. Por isso, mantive o que estava funcionando de forma a atender as necessidades básicas da organização, e paulatinamente comecei a introduzir algumas inovações. Inovar em fundição não é fácil. Para conseguir, priorizei a atualização, seja com cursos de pós-graduação, MBA, certificação, além de participar ativamente de congressos, seminários, do conselho da Sociedade dos Usuários de Tecnologia (SUCESU), etc. Em TI, o que se aprende hoje não serve mais amanhã. Parar de estudar e se atualizar é decretar o próprio fim.
O que a transformação digital significa para você, depois de tanto tempo trabalhando com TI? É uma coisa realmente nova?
Coelho: Tudo é muito novo. Uma tecnologia nem acaba de chegar e outra já está se sobrepondo. A transformação digital é a nova revolução que a humanidade está experimentando. Tudo é digital. Não sabemos ainda bem ao certo onde tudo isso vai dar. Precisamos estar atentos. Deixemos de lado a ficção científica e olhemos para os novos padrões utilizados nas empresas, novos costumes e principalmente novos modelos de negócios construídos quase que diariamente. A ficção de ontem virou realidade. E não vai parar por aí.
Como a transformação digital está afetando a indústria, e a metalúrgica, em particular?
Coelho: A indústria automobilística tem passado por grandes transformações na última década e é uma das mais sensíveis às decisões geopolíticas e às crises econômicas. Ao mesmo tempo, nunca esteve tão suscetível aos anseios do consumidor. Quando entrei na Teksid, não tínhamos carro elétrico ou híbrido, todas essas mudanças próprias da engenharia do automóvel. Elas exigem sensibilidade dos CIOs. A Teksid é um dos maiores grupos de fundição de autopeças do mundo. Sua capacidade produtiva supera as 580 mil toneladas por ano. Pense sobre tais dimensões e encontrará no chão de fábrica uma operação complexa, um ambiente de produção altamente crítico, mas também grandes oportunidades de melhorias e transformação.
Como um profissional experiente pode mudar seu modo de pensar e criar uma cultura de TI com mais foco no negócio e menos na tecnologia em si? Qual a sua “receita”?
Coelho: É preciso inspirar. Estar há 35 anos na mesma organização dá uma visão privilegiada não só da Teksid, mas de toda a vertical na qual estamos inseridos. O CIO tem que se reinventar. Ele tem de estar atento ao escopo, à estratégia da empresa. Precisa ter consciência de que é o elo entre os processos e a direção. Deve entender a estratégia e fazer com que as pessoas a executem. A preocupação com uma liderança moderna e aberta tem que estar no radar de todo CIO. Tem que dar uma injeção de motivação o tempo inteiro. Aí vem a responsabilidade de sempre buscar o novo para que as pessoas se inspirem em você. Não é questão de vaidade nem nada. Mas nosso papel é ser fonte de inspiração.
Depois de uma longa e bem-sucedida carreira, você pensa em parar? As gerações mais novas estão prontas para assumir o desafio?
Coelho: Chega uma hora em que temos que passar o bastão. Talvez preparar um sucessor seja uma das formas mais primárias de colaboração, um gesto de profunda generosidade e profissionalismo. É importante ter o desejo de compartilhar e de promover a continuidade. É preciso ensinar e passar adiante o que aprendemos. Enquanto temos tempo, devemos investir nas gerações que estão chegando, não retendo o conhecimento que a duras penas absorvemos ao longo de nossas carreiras. Nada mais oportuno e verdadeiro que as palavras da maravilhosa Cora Coralina: “Feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Que venham mais 35 anos, pois a cabeça só irá parar quando o último impulso elétrico findar.
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