Para Sandro Tavares, líder de TI da Midea Carrier, a crise assusta quem está despreparado, mas deixa boas lições para quem trabalha com forte planejamento estratégico
“Muitas empresas dizem que gastam milhões com inovação e, quando você vai ver, não conseguiram levar as pessoas para casa porque não tinham um bom antivírus, porque não tinham uma boa VPN, o computador era muito grande ou mesmo tinham um sistema que não rodava em nuvem. Costumo brincar que esse tipo de investimento é como seguro: você paga para não usar, mas é necessário.“
Tanta experiência com estratégia de TI em grandes empresas não só formou o repertório de Sandro Tavares como líder da área, como também construiu uma extensa bagagem do executivo em gestão de crises. E não foram poucas as que a TI enfrentou. Mas, para o gerente de TI da Midea Carrier, as crises são momentos de ruptura para início de fases ainda melhores, com aprendizados difíceis de esquecer.
Sandro é o terceiro entrevistado da série de podcasts “Líderes que Transformam”. Quer saber como foi o bate-papo? Abaixo, você pode ler parte dessa conversa. Mas a íntegra mesmo está lá no podcast, no link abaixo.
Sandro, você tem uma experiência longa na indústria e no varejo, passou por empresas como Tigre, Lojas Renner, Portobello. Eu fico imaginando quantas crises você já vivenciou como líder de TI e crises que, de alguma maneira, recaem sobre os investimentos em TI. Eu até achei uma entrevista sua, de 2008 ou 2009, você ainda estava na Tigre e falava sobre as pressões e as mudanças que a crise econômica de 2008 provocava na empresa em que você trabalhava. Eu queria que você contasse quais foram os frutos e também as sequelas das crises que você gerenciou na sua carreira como gestor de TI.
Sandro Tavares: Toda vez que a gente passa por uma crise, a primeira imagem que vem à cabeça é que vão cortar investimentos, vão cortar verba e vão cortar gente. Esse é o primeiro grande susto que todo mundo tem em mente, principalmente para quem está em uma companhia que tem o resultado medido pela receita.
Tenho para mim que a crise pode ser vista de duas formas distintas. De um lado, pode ser algo negativo, como eu falei agora, que vai te impedir de tocar projetos, te impedir de crescer como você imagina e que vai deixar sequelas durante muito tempo. Por outro lado, existe aquele velho ditado que diz que é na crise que se cresce. E eu acredito muito nesse ditado. Vai depender muito da estratégia que as empresas adotam quando elas estão passando pela crise se elas terão mais sequela ou mais frutos e benefícios.
Posso falar especificamente das crises que eu enfrentei nas empresas que você citou. Tivemos, sim, algumas sequelas, mas muitos bons frutos. Foi durante as crises que buscamos otimizar processos de negócios e recursos. À medida que a crise foi amenizando e a situação do país se tornou mais estável, tudo aquilo que você melhorou ou implementou durante a crise ficou como um benefício muito forte para a empresa. A partir daí, a empresa começa a trabalhar de forma mais enxuta, produtiva e com redução significativa de despesas.
Outro ponto importante para falar sobre a crise é que justamente nesse momento a TI desponta como uma área chave no suporte do negócio e para a busca de novas soluções. É nessa hora que a gente vê que, na contramão do que está acontecendo em outras áreas, o investimento em sistemas e tecnologias pode, sim, garantir a continuidade dos negócios da empresa e a manutenção da receita. É importantíssimo ter um bom planejamento de TI nessa hora para você demonstrar que, mesmo em crise, investir em TI é uma excelente estratégia para aumentar os resultados da empresa onde você está alocado.
Quando a crise passa, ela deixa um rastro de boas práticas. E isso é maior do que os impactos que ela pode causar – e falo isso com base nas experiências que eu tive e nas empresas que eu passei Em outros lugares, a situação econômica pode não ser favorável para fazer investimentos.
Claro que a gente não está falando de crise à toa, né, Sandro? Afinal, a gente vivencia uma que é fruto da pandemia – que começa na Saúde, mas tem efeito em todos os setores. O crescimento econômico que muitos esperavam no ano passado acabou não acontecendo até aqui, então temos uma situação de crise, de dificuldade econômica importante. A pandemia apresenta uma oportunidade de olhar para o que você tem, corrigir rotas e perceber forças. Acho que uma coisa que ficou muito clara é a capacidade de realização da TI. Você acha que essa crise em especial contribuiu para que as empresas construíssem uma visão mais estratégica da TI?
Sandro Tavares: Eu acredito que sim. Falando das empresas que eu tive contato e da própria Midea Carrier, sim. Quando se fala de algo que a gente chama de bimodalidade da TI, claramente a TI tem dois desafios na balança: de um lado, toda uma estrutura de negócio que precisa ser bem suportada e precisa ser garantida a sua continuidade. Então, a TI é cobrada como uma área operacional para manter a continuidade da empresa.
Por outro lado, a gente fala também de um lado mais estratégico, em que a TI pode agregar valor ao negócio com novas tecnologias, novos recursos e inovação. Quando passamos pela pandemia, nós conseguimos enaltecer esses dois lados. A gente teve uma mudança muito grande na capacidade de sustentar o negócio, e também na parte de agregar valor.
Vou te dar um exemplo. Quando falo de continuidade do negócio, a gente colocou mais de mil profissionais em regime de home office no período de uma única semana sem qualquer impacto para o negócio. Ou seja, as pessoas saíram de dentro do escritório, levaram seus computadores para casa e continuaram trabalhando normalmente. Nós já tínhamos disponibilizado antes mesmo da pandemia ferramentas de colaboração.
De uma forma muito natural, percebemos as pessoas usando mais a tecnologia do que usavam dentro da empresa. Até mesmo para os casos de reunião, que hoje vemos mais pessoas utilizando as ferramentas de colaboração do que elas utilizavam a sala física. Eu sei que algumas empresas tiveram grandes impactos, mas nós não passamos por isso porque já trabalhávamos dessa forma.
Desde o começo da pandemia, a TI já estava dentro das conversas para saber onde poderia entrar para agregar valor e tentar ajudar a empresa a alavancar isso. Um projeto que posso citar, que foi trabalhoso, mas teve um resultado muito bom, foi o nosso e-commerce. Nós identificamos que o nosso e-commerce seria uma das plataformas de compra mais acessadas durante a pandemia, e crescemos esse ambiente de forma muito escalada. E isso foi bom porque o crescimento de vendas foi bastante significativo. Ampliamos nosso marketplace e entramos em outros, e isso ajudou a empresa a vender mais e ampliar seus resultados.
Posso citar outros projetos que já vínhamos trabalhando, como BI e big data, com retorno muito grande. Então, acho que a TI consegue se mostrar mais pró-ativa, mais alinhada com o negócio e consegue mostrar o seu viés mais estratégico.
Você viveu essa crise dentro de um contexto de uma empresa que já estava preparada para lidar com o cenário que apareceu. Mas, como você bem colocou, vimos várias grandes empresas patinarem muito e sofrerem com essa falta de planejamento para a continuidade dos negócios. Como você citou, a TI também serve para preparar a empresa para esses momentos de dificuldades em que é colocada à prova a capacidade de manter as operações rodando. Na sua visão de CIO, quais são os pilares fundamentais desse plano de TI que permite a continuidade das operações, especialmente operações sensíveis, como é o caso da indústria?
Sandro Tavares: Não tenho dúvidas que, quando você olha para esses dois lados da TI que a gente conversou, o que mais motiva os profissionais é sempre o novo. E com o passar do tempo você vê que isso fica cada vez mais forte.
Quando você parte para as empresas, isso é muito parecido. As empresas só pensam na sustentação do negócio quando elas param. Nós tivemos poucos impactos do ponto de vista de TI durante a pandemia porque tínhamos um bom plano de contingência, temos um bom plano de atualização tecnológica, temos um plano que prevê a troca sistêmica de recursos em um prazo definido. Entendemos que sem um bom plano e uma reserva técnica no budget, você vai gastar tudo com coisas novas e, quando precisar dessa sustentação, vai perceber que tem problemas.
Eu acho que as empresas mais impactadas durante a pandemia, do ponto de vista de TI, foram justamente aquelas que pouco ou nenhum investimento havia sido feito para se preparar para essas chamadas intempéries de mercado.
Muitas empresas dizem que gastam milhões com inovação e, quando você vai ver, não conseguiram levar as pessoas para casa porque não tinham um bom antivírus, porque não tinham uma boa VPN, o computador era muito grande ou mesmo tinham um sistema que não rodava em nuvem. Costumo brincar que esse tipo de investimento é como seguro: você paga para não usar, mas é necessário.
É esse trabalho de base vai garantir esse tipo de virada, como você comentou sobre o aumento exponencial no site da noite para o dia…
Sandro Tavares: Com certeza. Quando fizemos uma pesquisa de satisfação interna de TI, recebemos retornos como “está perfeito, tudo que eu tinha no escritório, tenho em casa”. Então, tem gente que está se sentindo até melhor trabalhando em casa, porque tem tudo o que precisa, o recurso e a segurança do lar, que protege em meio à pandemia. No que dependia da TI, tivemos uma pandemia muito normalizada.
E tem que aproveitar esses momentos, né, Sandro? Porque não é todo dia que a TI ganha elogio (risos)…
Sandro Tavares: Não, é justamente o contrário. É o mesmo efeito da seguradora, você só vai lembrar quando tem um problema e é bem atendido. Se não a TI é vista só como um centro de despesa.
Vou voltar a um tópico que você mencionou antes. O quanto a transformação digital ocupa espaço na sua agenda? O quanto você dedica esforços a isso hoje?
Sandro Tavares: É praticamente impossível falar de TI sem falar de inovação e transformação digital. Não dá para você imaginar que as empresas consigam passar pelos desafios que o mercado está lançando sem os benefícios dessas aplicações disponíveis no mercado. Somos inundados por informações, eventos e fornecedores trazendo assuntos sobre transformação digital.
Se você acha que não vai fazer transformação digital na sua empresa, sinto muito, mas você já está fazendo, só não está percebendo. Alguma coisa você já está transformando dentro da empresa. No nosso caso, eu diria que já estamos focando em inovação há algum tempo. Já temos um projeto de analytics e Bi de três anos, já temos gestão centrada nisso. Já não vamos para uma reunião para descobrir se tivemos um número 10, nós já vamos para a reunião sabendo que o número foi 9 e vamos discutir por que não foi 10. Você ganha um step nesse processo, você vai para discutir ação. É um ganho de agilidade, um divisor de águas.
Estamos partindo agora mais forte para o Big Data para a captura de dados em nossas lojas, até mesmo pelo wifi, para termos mais informações sobre o consumidor e trabalhar com mais foco no consumidor final.
Também estamos implementando a parte de processos usando robôs para poder tirar pessoas que trabalhavam em operações manuais dentro de computadores e sistemas, e colocando robôs para fazer isso. Essa é uma jornada que começou o ano passado e que não tem final, porque à medida que o tempo vai passando, você vai identificando novas oportunidades de tirar pessoas de atividades que agregam pouco valor, que é a parte operacional, e colocá-las em uma camada mais analítica e, aí sim, utilizando o BI.
Eu imagino que todo o trabalho com essas tecnologias mais sofisticadas de dados passem por um pilar bastante crítico na indústria, que é a logística. Isso envolve a gestão de cadeias de valor imensas. Usando o próprio caso da Midea, só para ilustrar, estamos falando de uma operação bastante pulverizada, com mais de 200 lojas especializadas, 700 revendedores credenciados, isso sem falar em presença em lojas de varejo e e-commerces de todo o país. Como a TI pode suportar e integrar tudo isso, como é capaz de monitorar toda essa cadeia de valor e entregar eficiência e inteligência para uma operação tão complexa?
Sandro Tavares: A gente tem uma diversidade muito grande de canais de venda, então, sem dúvidas, quando você fala de distribuição é uma cadeia complexa. Quando você olha o nosso portfólio de produtos e combina isso aos canais, você vê que nem todos os canais vendem todos os produtos e que nem todos os produtos são vendidos só por um canal. Isso cria uma dificuldade muito grande até de entendimento.
Nós temos uma quantidade enorme de canais para que o nosso produto chegue da melhor forma ao seu destino. Gerenciar cada um desses canais não é um desafio fácil porque cada um deles demanda um desafio especial. E há uma variável a mais nisso: nós temos parte dos nossos produtos sendo produzidos no Rio Grande do Sul, parte em Manaus, e parte dos nossos produtos são importados da China.
É o que você falou da cadeia de supply chain como um todo, você tem diferente pontos de entrada, diferentes áreas de armazenamento, canais de venda e formas de distribuição. Isso faz com que a gente tenha uma estrutura bastante grande. Nós usamos um RP de mercado e acabamos fazendo um backoffice todo por ele, mas o front end é específico de cada negócio. Não há muito por onde fugir, você tem que conhecer bem o negócio, conhecer a particularidade de cada canal e entregar soluções que atendam a cada um desses canais.
Outro ponto positivo é o que falei sobre o BI, toda gestão é feita de uma forma centralizada. A gente tem um painel gigante em que a gente fica passando os resultados de cada canal e sabemos exatamente como está andando a parte de entrega, vendas, receita. A gestão está centralizada em uma ferramenta, isso facilita para quem está sentado em uma cadeira pilotando tudo isso.
Esse uso de dados em tempo real para a tomada de decisões revela uma maturidade muito grande, não só da TI, mas do negócio como um todo. Isso denota um estágio da empresa que, talvez, não seja tão comum. Acredito que tenham tido alguns degraus para chegar nesse estágio de tomada de decisão lá na ponta….
Sandro Tavares: Sem dúvidas. O grande desafio que tivemos não foi de tecnologia, mas de mudança de cultura. As pessoas precisavam começar a mudar a forma de pensar e tinham que ter o desejo de mudar, e acho que esse foi um dos pontos que conseguimos bem. E conseguimos isso graças ao apoio do alto escalão. Nós começamos a fazer um processo muito de cima para baixo. Começamos a desenvolver coisas para que os diretores pudessem usar. Isso veio em um modelo de cascata até chegar ao último nível.
Hoje estamos em um estágio muito mais maduro justamente porque isso veio em um modelo de cascata. As pessoas sentiram o benefício e a facilidade e isso entrou no dia a dia, só assim deixaram de usar o Excel e passaram a usar a ferramenta de BI – e a confiar nas informações contidas nela.
Ouça a entrevista na íntegra aqui.
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